Kant classifica todas as posições já sustentadas na história da filosofia sob dois rótulos gerais: realismo transcendental (RT) e idealismo transcendental (IE) --- as quais, por sua vez, teriam como respectivas contrapartidas as posições do idealismo empírico (IE) e do realismo empírico (RE). Basicamente, o que um defensor do RT sustenta é que as coisas existem independentemente de nossa capacidade de representação das mesmas. Uma das versões do RT é o racionalismo, caracterizado justamente pela tentativa de obter conclusões metafísicas substantivas acerca das coisas como são nelas mesmas, a partir da análise a priori de certas caracterísiticas gerais de nossa faculdade da Razão. O que justifica essa pretensão é a suposição (realista transcendental) de que nossa faculdade representativa espelha a ordem das próprias coisas que existem independentemente dela. Um dos casos mais característicos desse tipo de estratégia é o famoso ``argumento ontológico'', que visa provar a existência de Deus a partir da análise da idéia de Deus.
Segundo Kant, qualquer posição fundamentada nesse tipo de suposição (realista transcendental) está fadada a levar ao idealismo empírico, se for defendida consequentemente. Isso porque, uma vez estabelecido o abismo metafísico entre a mente (ou sujeito) e o mundo (as coisas nelas mesmas), não haveria mais como construir uma ponte entre essas esferas. Defender uma inferência da primeira à segunda não vai adiantar, pois não há garantias para a correção dessa inferência, uma vez aceito o RT.
Contra esse tipo de problema Kant defenderá o IT, i.e ., uma posição segundo a qual as coisas não são completamente independentes de nossas capacidades cognitivas / representacionais --- N.B., elas são independentes sob um aspecto, i.e., apenas no que toca à sua existência, uma vez que a matéria de nossa cognição precisa ser suprida para que possamos atuar sobre ela, mas elas são dependentes no que toca a outro aspecto, sua forma, sendo que esta última seria suprida por características gerais de nossa sensibilidade, espaço e tempo (as formas a priori da intuição) + conceitos fundamentais de nosso entendimento (as Categorias). Dada a suposição idealista transcendental , é possível um acordo a priori entre a coisa representada e a própria representação (no que toca à forma de ambas). E é essa possibilidade que garante o realismo empírico --- ou seja, a legitimidade e confiabilidade (nesse sentido, ``realidade'') daquilo que nos aparece por meio dos sentidos, assim como a legitimidade e confiabilidade daquilo que viemos a saber por meio da ciência.
Apesar do caráter esquemático dessa apresentação, espero que ela seja suficiente para indicar a similaridade entre o diagnóstico kantiano para as confusões filosóficas do advindas da suposição realista transcendental (no caso do racionalismo), e aquele apresentado por W. na passagem acima: trata-se, nomeadamente, da tentativa de ``predica[r] da coisa aquilo que reside no seu método de representação''. Assim como Kant irá propor sua ``revolução copernicana'' como o caminho de solução para as confusões dos filósofos que caem nesse erro, W. também nos advertirá que, se quisermos remover certas confusões filosóficas advindas de incompreensões de nossa gramática, precisamos inverter todo o nosso exame, e parar de tentar fundar a legitimidade ou correção dessa gramática, ou da linguagem, buscando qualquer tipo de relação externa (e.g., causal) entre sinais e coisas, para passar à descrição e elucidação das relações internas (normativas) entre nosso ``método de representação'' e aquilo que é representado --- relações essas que se deixam entrever mais facilmente se analisarmos nossas explicações de significados, e nossas práticas lingüísticas efetivas. Esse, a meu ver, é o passo externalista radical comum a Kant e a W., passo este que não me parece ter sido dado pelos chamados `externalistas' contemporâneos.