segunda-feira, março 17, 2008

Putnam sobre Cavell, Wittgenstein, e a "filosofia da linguagem ordinária"

Continuando com a série "trechos que assino embaixo", transcrevo abaixo algumas afirmacões de Putnam, feitas no ótimo artigo "Philosophy as the Education of Grownups: Stanley Cavell and Skepticism" (da mesma coletânea mencionada no post anterior):

[...] Stanley Cavell is one of the great minds of our time, but he is not a founder of movements or a coiner of slogans or a trader of "isms" [...] [He is] a writer who always speaks to individuals--and that means, one at a time [...]. To read Cavell as he should be read is to enter into a conversation with him, one in which your entire sensibility and his are involved, and not only your mind and his mind. (p. 119)

Cavell (and Wittgenstein as Cavell reads him) are concerned to make us see something that troubles the skeptic, something that can and should give us a sense of "vertigo" at certain times, without causing us either to become skeptics or to find illusory comfort in over-intellectualized response. (p. 121)

Othello is, in a sense, a genuine skeptic about one other mind--Desdemona's. His problem--and this is the horror of his situation--isn't that he lacks "evidence" of Desdemona's faithfulness. It is that no evidence is good enough. And even to imagine one of the minor ordinary-language philosophers of the 1950s and 1960s saying to Othello "This is what we call conclusive evidence of Desdemona's faithfulness" (or: "This is what we having an unreasonable doubt") makes one want to vomit. That is why The Claim of Reason may be described as a defense of Wittgenstein against "ordinary-language philosophy", not a defense of Wittgenstein as an ordinary-language philosopher. (pp. 126-127)
Essa última passagem é tão espetacular que vale a pena até traduzir um trechinho, para que buscas por "filosofia da linguagem ordinária" e "vomitar" tenham chance de cair aqui :). Segue, então, minha "traducão livre"
A simples tentativa de imaginar um filósofo da linguagem ordinária menor dos anos 1950 e 1960 dizendo a Othello "Isso é o que chamamos evidência conclusiva para a fidelidade de Desdemona" [...] já nos faz querer vomitar.

sexta-feira, março 14, 2008

Cavell: "The Wittgensteinian Event"

Some members of my generation, struck by the Wittgensteinian event, felt liberated from the sometimes painful draw of philosophy as such, taking its problems as having been finally perceived for what they are worth, and solved. In my case, its changed expectations of philosophy liberated me to think philosophically (according to my lights) about anything, in any medium, in which I found interest. (p. 10)

Wittgenstein's promise of "peace" or "rest" after restlessness is, in his practice, something lost almost as soon as it is found, not a promise that projects a realm of refuge, so his philosophical stance of contradiction and dissatisfaction in effect assumes an independence from whatever world this imperfect one turns out to be. (p. 18)

Stanley Cavell, "The Wittgensteinian Event" (In: Reading Cavell, Routledge, 2006)

Assino embaixo.

quarta-feira, março 12, 2008

Fotos de Oxford

Finalmente compilei um pequeno álbum de fotos daqui.

terça-feira, março 11, 2008

Resumo para o XIII Encontro da Anpof

A ANPOF estará realizando o XIII Encontro Nacional de Filosofia, de 6 a 10 de outubro de 2008, na cidade de Canela, na serra gaúcha. Abaixo segue o resumo do texto que apresentarei no evento:



Grupo de trabalho Ceticismo

Jonadas Techio

Antiindividualismo e Autoconhecimento: Uma ‘solução cética’ para um ‘problema cético’?

Há muitas variedades de antiindividualismo, mas em cada uma delas encontra-se alguma versão da tese segundo a qual nossos conteúdos mentais são constituídos, pelo menos parcialmente, por ‘fatores externos’—tais como objetos físicos (que existem ‘fora da cabeça’) ou relações sociais com outros seres humanos. Essa tese parece livrar o antiindividualismo de alguns dos principais problemas que afligem a ‘tradição individualista’, tais como o ‘problema do mundo exterior’ e o ‘problema das outras mentes’. Por outro lado, ela gera uma nova dificuldade, que é dar conta do autoconhecimento psicológico: dado que meus conteúdos mentais são parcialmente constituídos por fatores externos, e dado que tais fatores podem ser-me inacessíveis no momento em que enuncio um pensamento particular empregando o conceito ‘X’, como posso saber que esse pensamento é sobre X e não sobre outra coisa, e.g., Y? Essa dificuldade gerou um intenso debate na literatura recente. O objetivo desta comunicação será descrever e avaliar o modelo do funcionamento da linguagem humana assumido no ponto de partida desse debate. A inspiração para essa avaliação é a crítica apresentada por Stanley Cavell em sua leitura da ‘solução cética’ para o ‘problema cético’ da normatividade lingüística, notoriamente atribuída a Wittgenstein por Saul Kripke. A tese central que será defendida é que os antiindividualistas, assim como Kripke, partem de uma concepção distorcida de nossas práticas comunicativas, que desloca a responsabilidade da correção lingüística (do que queremos dizer com o que dizemos) para algum ‘fator externo’, tal como ‘o mundo’, ou ‘a comunidade’. Ao assumir esse modelo impessoal da normatividade, os antiindividualistas apresentam o problema da correção lingüística pelo avesso, como se o único ou principal risco envolvido nas trocas comunicativas fosse o repúdio, por parte da comunidade, daquilo que queremos dizer com nossas palavras, e nunca o contrário—i.e., o custo envolvido no afastamento da comunidade com a qual estamos desde o início harmonizados, e da qual herdamos nossa linguagem. Essa inversão pode explicar porque a ‘solução compatibilista’ é vista por alguns críticos como ainda mais cética do que o problema que a originou. Ela também leva à suspeita mais geral de que o antiindividualismo talvez constitua uma (nova?) forma de evasão filosófica (evasão, i.e., da responsabilidade pelo que dizemos). Conhecer o conteúdo de nossos estados mentais, e saber sobre o que estamos falando, são, de fato ‘atividades de risco’—mas o risco aqui não reside tanto na possibilidade (tão cara ao cético) de que ‘o mundo’, ‘as regras da comunidade’, ou o que quer que seja, mudem inadvertidamente (‘pelas nossas costas’), e sim na possibilidade de nos distanciarmos, pelas mais variadas razões, do mundo e dos demais falantes. O risco, portanto, não está tanto ‘lá fora’, mas antes ‘aqui dentro’, no modo como cada um de nós enfrenta a responsabilidade de se posicionar frente ao mundo e aos demais, não apenas na condição de indivíduo, mas antes de herdeiro e representante de uma comunidade lingüística, e de uma forma de vida.