quinta-feira, maio 25, 2006

O externalismo de Anthony Kenny

Estou relendo o capítulo 10 de The Metaphysics of Mind, do Anthony Kenny, intitulado "Psychology". Há muitas coisas interessantes nesse capítulo, especialmente a análise do problema da liberdade vs. determinismo. A seguinte passagem em especial me chamou atenção, primeiro, pela similaridade com a forma de expressão que alguns externalistas (especialmente Burge) empregam para apresentar suas posições, e, segundo, pelo uso que Kenny aí faz desse "externalismo":

Se meu cérebro fosse tão determinístico quanto um computador eletrônico, de modo que todo o seu output pudesse ser predito a partir dos inputs que ele recebe, isso ainda não sera suficiente para que qualquer um pudesse predizer os pensamentos que eu terei. Pois o que dá significado a qualquer tipo de output de meu cérebro -- seja ele canalizado através da ação, fala ou escrita -- é algo que é completamente externo a ele [esse output]. O que dá significado a minhas atividades físicas, o que transforma alguns dos sons e gestos que eu produzo em símbolos, é meu poder de ser um participante na atividade social da linguagem -- uma atividade que é impossível fora do contexto da cooperação com outros. (p. 153)

A estratégia argumentativa nessa passagem consiste em mostrar que o "externalismo" -- a tese apresentada na última oração -- implica uma espécie de "compatibilismo" -- a tese de que, não obstante ser possível uma descrição fisiológica completa de meus estados cerebrais, a qual, por hipótese, permitiria predição baseada em leis causais deterministas, há uma impossibilidade de predizer meus pensamentos. Pensamentos, defende Kenny nesse capítulo, não são apenas configurações de nosso cérebro ou sistema nervoso central; eles não são, para falar de modo mais geral, eventos que possam ser descritos a partir da análise de certas características intrínsecas, sejam elas quais forem. Pensamentos são, por assim dizer, eventos relacionais, que dependem, para sua identidade, de fatores externos ou extrínsecos ao próprio sujeito que os expressa -- no caso acima, dependem dessa "atividade social" que é a nossa linguagem.

Essa defesa do compatibilismo aponta um uso inusitado (ao menos para mim) de experimentos como o da Terra Gêmea. Apesar de essa defesa ser feita, na passagem que citei, para o caso específico de nossos pensamentos, ela é extensível a quaisquer aspectos da vida humana que envolvam intencionalidade, especialmente para o caso de nossas ações (voluntárias). De fato, o ponto de Kenny nesse contexto é mostrar que nossas ações são, assim como nossos pensamentos, irredutíveis a descrições não-intencionais em termos de causas e efeitos. Nisso, é claro, ele segue uma linha adotada por Wittgenstein e depois dele por vários outros autores de filiação wittgensteiniana, especialmente Elisabeth Anscombe.