A meu ver, as consideracoes contidas no BB fornecem apoio ao paralelo nos tres casos apresentados acima (i--iii). Mas aqui gostaria de chamar atencao apenas para um caso, que eh o diagnostico de Berkeley acerca de como a "doutrina das idéias abstratas" estaria na origem do "ceticismo" que ele ataca. Cito a mim mesmo:
Nessas passagens Berkeley apresenta um análogo daquilo que Wittgenstein chamou de "concepção agostiniana da linguagem" 2 no contexto da "teoria das idéias". Essencialmente, segundo essa concepção, palavras são como nomes, e assim como nomes, sua única função é referir a algo — neste caso, dada a suposição da "teoria das idéias", este algo só pode ser uma idéia 3 . Ora, uma vez que há termos gerais, que não referem, obviamente, a nenhuma idéia particular, postula-se a existência de idéias abstratas para servirem de referente dessas palavras.
Tendo diagnosticado o modo como essa concepção "agostiniana" teria fundamentado a doutrina das idéias abstratas, Berkeley tratará de negá-la, mostrando que essa é uma imagem incorreta do funcionamento efetivo da linguagem. Seu argumento para esse fim tem dois estágios: primeiramente ele nos lembra que, mesmo nos casos em que palavras de fato funcionam como "nomes de idéias", não é condição necessária para a comunicação — nem mesmo para os "raciocínios mais estritos" — que elas "despertem na inteligência as idéias que devem representar"4 . Para mostrar isso Berkeley assinala que:
O próximo passo de Berkeley consiste em lembrar que "a comunicação de idéias por palavras não é o fim principal ou único da linguagem"5 . "Há outros fins", continua ele, "como exaltar uma paixão, excitar ou combater uma ação, dar ao espírito uma disposição particular"6. Nesses últimos casos, ainda que inicialmente as palavras devam ter despertado as "idéias próprias para provocar aquelas emoções", ocorre freqüentemente que com o costume tais idéias sejam completamente suprimidas. Para mostrar isso Berkeley pergunta, retoricamente, se "Não podemos [...] ser afetados pela promessa de uma coisa boa, embora sem fazer idéia do que é? ", ou ainda se "Não pode a ameaça de um perigo bastar para causar pavor, embora ignoremos o mal que nos ameace nem formemos idéia de perigo em abstrato? "7 .
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No Blue Book W. eh ainda mais claro no diagnostico das origens de certas confusoes filosoficas. Sobre as ``ideias abstratas'' (no caso dele, ``termos gerais'') ele afirma o seguinte:
Ha uma tendencia arraigada em nossas formas usuais de expressao, de pensar que um homem que aprendeu a compreender um termo geral, digamos, o termo ``folha'', veio desse modo a possuir um tipo de imagem de uma folha, como oposto a imagens de folhas particulares. Mostou-se a ele diferentes tipos de folhas quando ele aprendeu o significado do termo ``folha''; e mostrar a ele as folhas particulares era apenas um meio para o fim de produzir `nele' uma ideia que podemos imaginar como sendo algum tipo de imagem geral. [...] Estamos inclinados a pensar que a ideia geral de uma folha eh algo como uma imagem visual, mas uma que contem o que eh comum a todas as folhas. [...] Novamente isso se conecta com a ideia de que o significado de uma palavra eh uma imagem, ou uma coisa correlacionada com a palavra. (Isso grosseiramente significa que estamos olhando para as palavras como se elas fossem todas nomes proprios, e entao confundimos o possuidor do nome com o significado do nome).(pp. 17--18)
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Referencias
BERKELEY, G. Tratado Sobre os Princípios do Conhecimento Humano. In: Os Pensadores: Berkeley Hume. 2a. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1980. p. 05–44. Tr. Antônio Sérgio.
BERKELEY, G. Três Diálogos entre Hylas e Filonous em Oposição aos Céticos e Ateus. In: Os Pensadores: Berkeley Hume. 2a. ed. S o Paulo: Abril Cultural, 1980. p. 45–119. Tr. Antônio Sérgio.
LOCKE, J. An Essay Concerning Human Understanding. In: Great Books of the Western World: Locke, Berkeley, Hume. Chicago, London, Toronto, Genova: Britannica, 1952. p. 85–402.
WITTGENSTEIN, L. Philosophical Investigations. Oxford: Basil Blackwell, 1976. Tr. G. E. M. Anscombe.