Mas como pode a experiência passada ser um fundamento para assumir que tal e tal irá ocorrer posteriormente? – a resposta é: que conceito geral nós temos de fundamentos para este tipo de assunção? Este tipo de enunciado sobre o passado é simplesmente o que nós chamamos de um fundamento para assumir que isso irá ocorrer no futuro. – E se você estiver surpreso que estejamos jogando este jogo eu remeto você ao efeito de uma experiência passada (ao fato de que uma criança que se queimou teme o fogo).
Ludwig Wittgenstein (PI, § 480)
Ao leitor do Tratado da Natureza Humana, de David Hume, acostumado à caricatura do filósofo cético que duvida que o sol possa nascer amanhã, deve parecer surpreendente notificar várias semelhanças com algumas passagens das Investigações Filosóficas, ou de Sobre a Certeza, nas quais Wittgenstein trata de temas tais como a crença na uniformidade da natureza, as razões para crer, etc. E isso não se deve apenas à distância histórica e, ao menos até prova em contrário, filosófica que os separa. O que talvez possa parecer mais estranho, na verdade, é que, por mais que Wittgenstein seja incompreendido ou mesmo criticado, parece que ninguém jamais pensou em acusá-lo de duvidar de um fenômeno tão corriqueiro quanto o nascimento do sol amanhã.
Esta breve consideração não pretende servir de apoio a nenhuma tese exegética peculiar, tal como a de que Hume seria um "wittgensteiniano avant la lettre". Senão por outro motivo, ao menos porque tão logo me ponho a entrever esta possibilidade, me deparo com objeções do tipo: com isso você está tentando explicar o "obscurius per obscuris". Mas ela deve servir ao menos como indicação heurística para compreender algumas seções do Tratado da Natureza Humana nas quais Hume analisa nossa crença na causalidade, na uniformidade da natureza, etc. Colocando o ponto nos termos do meu post anterior, essa é uma maneira de explicitar alguns dos preconceitos filosóficos que inevitavelmente movem minha análise da filosofia humeana.
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