quarta-feira, agosto 23, 2006

Moran e a autoridade da primeira pessoa: contra a tese das "concessões sociais"

Gosto da visão do Moran segundo a qual a autoridade da primeira pessoa não é mera "concessão social", como quer, dentre outros, Crispin Wright (ou, por sinal, uma mera "condição da interpretação" -- ainda que uma das mais fundamentais -- como quer Donald Davidson), mas sim uma exigência da racionalidade. Se creio que Lula será um presidente menos pior do que Alckmin, então devo me comprometer com a verdade dessa crença, sob pena de estar sendo "irracional" -- mas não no sentido em que é irracional sustentar P e não-P (i.e., ser contraditório), e sim no sentido em que é irracional achar que é importante usar software livre e continuar usando windows. O paradoxo do Moore -- "creio que P, mas é possível que não-P" -- é um paradoxo não porque seja contraditório da parte de um sujeito sustentar essa conjunção, mas sim porque seria uma espécie de evasão inaceitável do compromisso com a verdade que é condição essencial de nossa racionalidade. O que ele indica portanto, é uma espécie de falha de nossa racionalidade prática, talvez se pudesse mesmo dizer uma falha de caráter, comparável à acrasia.

A seguinte passagem de Authority and Estrangement dá uma idéia clara dessa posição defendida por Moran:

Uma coisa errada com a idéia da autoridade da primeira pessoa como uma questão de concessões sociais é que ela fornece uma imagem erroneamente permissiva mesmo do contexto social. Pois não é o caso, no final das contas, que simplesmente permitimos que o que as pessoas dizem sobre seu estado mental corrente passe sem o benefício da evidência, e que estamos relutantes em desafiar o que elas dizem. Ao contrário, a acessibilidade especial de primeira pessoa aos estados mentais parece ser não apenas algo que nós concedemos às pessoas, mas algo que é uma expectativa racional normal que temos em relação a elas. Um exame da primeira pessoa deve explicar porque a necessidade de alguém confiar em evidência comportamental para expressar seu estado mental sugeriria algo errado com ele, algum estado de dissociação, e levantaria dúvidas sobre a racionalidade daquelas atitudes que não lhe são acessíveis no modo "imediato" normal. (p. 68)

5 comentários:

Cé S. disse...

Acabei de descobrir que acho certo usar Windows. :-)

Cé S. disse...

Peraí, uma melhor: acabei de descobrir que o pessoal que quer que todos usem software livre mas não quer que os mesmos sejam simples a ponto de serem utilizáveis por todos, mesmo os que mal clicam mouses, é irracional.

O discurso "você deve aprender a usar o software por mais difícil que ele seja" não combina com o discurso "todos devem usar software livre", pois nem todos tem vontade, dever, tempo ou saco de aprender tal coisa. O cara que defende as duas coisas (acho que não é seu caso, mas há casos assim) é irracional. :-)

Cé S. disse...

Ok, mas, tonterias à parte, Moran parece ter um ponto.

Giovani Felice disse...

Jônadas
Como sabes, a formulação original do paradoxo de Moore é a seguinte:
(1) Creio que p, mas ~p.
(Ou a seguinte: (2) p, mas não creio que p.)
Na tua formulação:
(3) Creio que p, mas é possível que ~p.
tem algo que, contrariamente a (1) (e (2)), não parece-me paradoxal (como parece-me paradoxal que alguém diga que aceita/crê que p e diga que ~p). Em outras palavras, perde-se algo com essa formulação. Não deixo de me comprometer, por assim dizer, com a verdade de uma proposição por acreditar que a proposição pode ser falsa (ou por acreditar que pode ser que a sua negação seja verdadeira). Aliás, acho mesmo que esse deve ser o comportamento com quase todas as proposições chamadas contingentes (“Creio que há um lago ali na frente, mas pode ser uma miragem”). Não vejo o que há de paradoxal em dizer:
(4) Creio que chove,mas é possível que não chove.
Claro,(4)pode não estar tão bem assim do ponto de vista gramatical. Talvez fosse melhor parafrasear o que vem depois da vírgula da seguinte maneira: ‘mas é possível que eu esteja enganado’ (que é diferente de ‘mas eu estou enganado’). Sinceramente, ainda não consigo ver o que há de paradoxal aqui (e, a propósito, traço de alguma dissociação). Em um jargão que conheces muito mais do que eu: não seria melhor apresentar o paradoxo de Moore apenas em termos de ‘juízos assertóricos’ (que é como Moore mesmo apresenta)? De resto, concordo com a tua avaliação do paradoxo de Moore.
Um grande abraço,
Giovani.

Cé S. disse...

Jônadas, te mandei e-mail convidando para ser um dos autores do blog Notícias de Filosofia. Acho que assim tu pode criar um e-mail que deixe claro que tu é o autor da postagem, não eu.