quarta-feira, setembro 27, 2006

A "força" das atitudes de um sujeito em relação a um conteúdo

O'Brien chama a atitude de um sujeito em relação a um conteúdo mental P de "força". Exemplos de forças são: acreditar, pensar, entreter, julgar, questionar, duvidar, temer, desejar, querer, gostar, (d)esse P. Ela restringirá sua análise ao que chama de forças "puramente cognitivas", as quais são classificadas nos seguintes grupos:

(i) Não-comprometidas [Non-committal] (atos de mero pensar): O pensamento que P pode ser entretido, apreendido, compreendido.
(ii) Assertóricas (atos de julgar): O pensamento que P pode ser julgado, negado, questionado, posto em dúvida.
(iii) Suposição (atos do suposição): O pensamento que P pode ser suposto, pressuposto, concebido, imaginado.


As forças cognitivas "assertóricas" de nossas atitudes serão o objeto central da análise subsequente. Uma característica central dessas forças é que elas envolvem um compromisso do sujeito com o valor de verdade de P, i.e., com "P ser verdadeiro, ou não ser verdadeiro, ou ser incerto [unsettled], ou ser provavelmente não verdadeiro".

Dada essa análise, a questão (ii) expressa anteriormente na forma: "como eu sei que eu Φ que P?", pode ser reapresentada na forma: "como eu conheço a força assertórica de minhas atitudes?". Essa será a questão abordada na segunda seção do artigo.

Novo texto da O'Brien

Lucy O'Brien deixou no sítio dela mais um artigo sobre autoconhecimento e capacidade de ação ("agency"), que será  publicado na Philosophy and Phenomenological Research. A seguinte passagem apresenta uma distinção bastante útil entre vários aspectos da pergunta acerca do autoconhecimento psicológico, e explica quais desses aspectos serão abordados por ela no artigo:

Quando nós perguntamos sobre nosso conhecimento de auto-atribuições psicológicas da forma: eu Φ que P, nossas respostas podem focar sobre três aspectos da pergunta, correspondendo aos três componentes da atribuição. Eu posso perguntar: (i) como eu sei que eu ΦP? (ii) como eu sei que eu Φ que P? , e (iii) como eu sei que eu Φ que P? A última pergunta, sobre como eu sei que P é o conteúdo de minha atitude, foi extensivamente discutida em anos recentes. Por exemplo, perguntou-se como, dado o anti-individualismo sobre o conteúdo, eu sei que eu tenho uma atitude com respeito à água ao invés de água-gêmea? Para as finalidades deste artigo suporei simplesmente que nós podemos explicar a autoridade que um sujeito tem sobre os conteúdos de suas atitudes apelando ao fato que, ao saber que atitude tem, o sujeito está re-utilizando uma habilidade pressuposta de pensar que P. São as primeiras duas perguntas, particularmente a segunda, que me interessarão: Como eu sei que sou eu, antes que alguma outra pessoa, que tem uma atitude em relação a P, e mais particularmente, como eu sei que eu ϕ, ao invés de φ, que P? É na tentativa de responder a essas perguntas que eu penso que a teoria do conhecimento baseada na capacidade de ação [ agency theory of knowledge] prova seu valor.


sexta-feira, setembro 15, 2006

Philosophical Investigations 1-100

E-text version of the first 100 aphorisms of Wittgenstein's Philosophical Investigations, provided freely for the use of all, in support of the collective reading underway at The Academy. Following this link will also take you to further Wittgenstein resources. The text itself is divided by aphorisms across several pages:


Aphorisms
1-10

Aphorisms
11-20

Aphorisms
21-30

Aphorisms
31-40

Aphorisms
41-50

Aphorisms
51-60

Aphorisms
61-70

Aphorisms
71-80

Aphorisms
81-90

Aphorisms
91-100

quinta-feira, setembro 14, 2006

Wittgenstein e o autoconhecimento

O argumento usado para defender a interpretação segundo a qual, para Wittgenstein, não faria sentido dizer que "Sei que estou com dor" ("pretendo fazer x", "penso que y", "creio que z", etc.), pode ser reconstruído da seguinte maneira:

(i) só podemos saber ou ter certeza daquilo que também podemos duvidar;
(ii) a dúvida está (gramaticalmente) excluída em casos de estados, atitudes, etc., expressos por frases que empregam o pronome de primeira pessoa no tempo presente;
---- logo:
(iii) é gramaticalmente incorreto, ou, na melhor das hipóteses, inócuo, prefixar essas frases com o verbo "saber", dizendo, e.g., que sei que estou com dor, etc..

A tese (i) me parece bastante razoável. A conclusão (iii) é extremamente contra-intuitiva, para dizer o mínimo. Para não dizer o mínimo, ela é absurda, e deixa de fora de nossa imagem da natureza humana elementos essenciais acerca do autoconhecimento, e especialmente do conhecimento prático. Como o argumento é válido, deve haver algum problema em (ii).

Vários filósofos contemporâneos apontam, a meu ver, de maneira absolutamente contundente, para as limitações de nosso autoconhecimento, para sua falibilidade, e para a possibilidade de termos dúvidas genuínas -- pelo menos em alguns casos -- a respeito do próprio conteúdo de nossos estados mentais (vide Moran e os externalistas em geral). E essa seria uma ótima razão "externa" à interpretação de W. para negar (ii). Mas a há também importantes razões "internas"(exegéticas) para tanto. Em outras palavras, penso que (ii) não é apenas falsa, mas falsifica a posição de W. As seguintes passagem das Investigações indicam claramente que (ii) não apanha corretamente sua concepção a respeito do autoconhecimento:

586. [...] The exclamation "I'm longing to see him!" may be called an act of expecting. But I can utter the same words as the result of self-observation, and then they might mean: "So, after all that has happened, I am still longing to see him." The point is: what led up to these words?

587. Does it make sense to ask "How do you know that you believe?"—and is the answer: "I know it by introspection"?
In some cases it will be possible to say some such thing , in most not.
It makes sense to ask: "Do I really love her, or am I only pretending to myself?" and the process of introspection is the calling up of memories; of imagined possible situations, and of the feelings that one would have if . . . . (Negrito adicionado)

Não se pode querer uma expressão mais clara de que, pelo menos em alguns casos, é possível -- faz sentido -- ter dúvidas acerca do conteúdo de certos estados ou atitudes mentais. Wittgenstein não poderia ser tão revisionista como querem seus intérpretes, a ponto de negar isso.

Wittgenstein sobre a importância do contexto

A coronation is the picture of pomp and dignity. Cut one minute of this proceeding out of its surroundings: the crown is being placed on the head of the king in his coronation robes.—But in different surroundings gold is the cheapest of metals, its gleam is thought vulgar. There the fabric of the robe is cheap to produce. A crown is a parody of a respectable hat. And so on. ( PI, 584)

Online videos of philosophical lectures

Bored by movies, and don't feel like reading a book? You can watch philosophical and other interesting videos on web.

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Tradução de “Conferência sobre Ética", de Wittgenstein

"Conferência sobre Ética" (Tradução de Darlei Dall'Agnol). Um texto interessante para compreender a concepção wittgensteiniana sobre o valor moral, e sobre a natureza dos juízos morais.

Wittgenstein sobre o caráter pré linguístico de certas reações humanas

Do livro Zettel (tr. para o espanhol, mais fácil de copiar e colar :-)):

540. Nos ayuda aquí recordar que es una reacción primitiva auxiliar atender la parte afectada cuando alguien más sufre dolor, y no únicamente la propia cuando uno lo siente - y, en consecuencia, prestar atención al comportamiento de alguien que siente dolor, como también no prestar atención al comportamiento de uno mismo cuando siente dolor.

541. ¿Pero qué quiere decir aquí la palabra "primitivo"? Sin duda que este tipo de conducta es prelingüístico: que un juego de lenguaje se basa en él, que es el prototipo de un modo de pensar y no el resultado de pensar.

Vejo um paralelo importante entre esse tipo de afirmação e o que defende Strawson em Freedom and Resentment.

terça-feira, setembro 05, 2006

Strawson e a interpretação não referencial do "eu" em Kant

O capítulo sobre o "eu" em Entity and Identity trata da posição kantiana expressa nos Paralogismos, especialmente a crítica à "Psicologia Racional". Um dos elementos que me chamou atenção na reconstrução de Strawson dessa crítica é o diagnóstico expresso na seguinte passagem:

Não se pode fingir que tudo sobre essa explicação do "eu" do psicólogo racional seja claro; mas é claro que Kant vê a si mesmo como oferecendo uma explicação não-denotativa de seu significado; e também é claro que ele vê o psicólogo racional como interpretando mal o "eu" em seu significado não-denotativo, como denotativo, e por conseguinte -- justamente porque abandonou todas as complexidades da referência empírica -- como denotando uma substância única, simples, e imaterial da qual todos os seus estados internos são, de alguma maneira, determinações. (p.255-256)

Muitos intérpretes (a começar por Anscombe) atribuem uma tese como essa (da função "não-denotativa" do "eu") a Wittgenstein. A meu ver, Wittgenstein poderia concordar com a parte negativa desse diagnóstico de Strawson (acerca da origem da "psicologia racional"), mas ele não iria tão longe a ponto de afirmar que "eu" tem um "significado não-denotativo". A questão é: o que se quer dizer com "significado não-denotativo"? Se "significado" quer dizer "regra semântica para o uso" (do "eu"), acho que ele daria de barato a tese de que o "eu" é uma expressão referencial (ou seja, a regra da auto-referência dá conta das condições de verdade de frases que contenham o pronome "eu"). Mas há muito mais do que simplesmente regras para semânticas em jogo na análise wittgensteiniana do "eu". Os intérpretes que defendem a interpretação não-referencial parecem esquecer disso (não sem alguma justificação doutrinária, mas ainda assim, em geral de forma tácita e não argumentada.)