[...] no ensaio intitulado "Descartes e o Último Wittgenstein: O Argumento do Sonho Revisitado" (revista "Analytica" vol. 3, nº 1, 1998, págs. 219-246) [...] [tentei] mostrar a ligação interna entre a má interpretação de Descartes e uma má leitura do próprio Wittgenstein, imperante entre os discípulos ingleses do filósofo austríaco. O equívoco de ler Wittgenstein como anti-Descartes. E fiquei reconfortado, na ocasião, ao ler um ensaio de Gordon Baker, certamente um dos mais autorizados intérpretes da obra do autor do "Tractatus", no qual afirmava: "Wittgenstein não conhece as obras de Descartes e, aliás, não pensa que as confusões filosóficas de hoje decorrem dos pecados que alguns grandes filósofos teriam cometido ontem... Há portanto razões muito fortes para concluir que Wittgenstein não se empenha numa batalha contra um adversário "cartesiano" mais ou menos bem definido" (cf. "La Réception de l'Argument du Langage Privé", em "Acta du Colloque Wittgenstein", 1988, ed. TER, Paris).
O adversário dos filósofos analíticos é menos o Descartes histórico e sua obra do que um fantasma "baladeur", que atravessa os séculos e que é um produto de um anticartesianismo também "baladeur" (por exemplo, a crítica ao argumento do sonho é o mesmo em Malebranche, Locke, Spinosa, Kant, Sartre, Ryle e Malcolm, mais uma venerável tradição do que uma revolução crítica operada pelo saudável "linguistic turn" da filosofia analítica; é Sartre quem fala do cartesianismo "baladeur" -que passeia- para referir-se a uma visão estereotipada da filosofia de Descartes, que perdura ao longo dos tempos).
O adversário dos filósofos analíticos é menos o Descartes histórico e sua obra do que um fantasma "baladeur", que atravessa os séculos e que é um produto de um anticartesianismo também "baladeur" (por exemplo, a crítica ao argumento do sonho é o mesmo em Malebranche, Locke, Spinosa, Kant, Sartre, Ryle e Malcolm, mais uma venerável tradição do que uma revolução crítica operada pelo saudável "linguistic turn" da filosofia analítica; é Sartre quem fala do cartesianismo "baladeur" -que passeia- para referir-se a uma visão estereotipada da filosofia de Descartes, que perdura ao longo dos tempos).
Na seqüência Bento Prado ainda comenta e elogia o livro "Descartes' Dualism", de Gordon Baker e Katherine J. Morris (Routledge, 1966). A conclusão que ele apresenta acerca de Descartes nesse contexto não poderia ser melhor expressa:
Justiça é feita ao bom e velho Descartes: se não é o solitário super-herói da filosofia moderna, tampouco será o seu vilão absoluto (nem Super-Homem, nem Lex Luthor, apenas um gentil-homem do Poitou que pensava muito; decididamente, a história da filosofia não tem a estrutura das histórias em quadrinhos). Recuperamos a dimensão histórica da filosofia e o poder hermenêutico da imaginação filosófica contra o cinzento império do entendimento tecno-lógico do "mainstream" da filosofia da mente.
Resta-me ler o artigo de Bento Prado na Analytica.
2 comentários:
O livro de Baker & Morris sobre Descartes é fundamental.
Olha o fetichismo da historiografia da filosofia ai gente! Quem disse que não posso criticar um autor mesmo sem o ter lido? Quem disse que uma tese T defendida por A somente pode ser atacada por B se B souber que A defendeu T? Por isso quem disse que B não pode criticar A mesmo sem ter lido qualquer texto de A?
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