terça-feira, outubro 25, 2005

Ideias para uma Introducao historica da tese: Wittgenstein vs. toda a historia da filosofia?

Anscombe, Malcolm e Hacker, defensores da leitura nao referencial do
pronome de primeira pessoa (ppp), apresentam a posicao de Wittgenstein
como sendo um contraponto a toda a tradicao filosofica, na medida em
que toda essa tradicao teria suposto a tese de que o ppp possui uma
funcao referencial. Segundo esses interpretes, Descartes pensava que o
ppp ('eu') faria referencia a uma substancia imaterial, distinta da
substancia corporea. Ja Hume nega que o ppp possa fazer referencia a
uma tal substancia, pois, dados seus compromissos empiristas, uma vez
que nao ha nenhuma `impressao' do `self', nao ha como se saber que
esse `self' seja o referente do ppp. Mas Hume continua aceitando a
tese referencial, na medida em que defende que o ppp refere a um
`feixe de percepcoes' (Tratado, Livro I, Secao VI). Reid parece sustentar nao apenas que `eu' eh referencial, mas que funciona como um `nome logicamente proprio' (no sentido que essa nocao possui em Russell, e no Tractatus de Wittgenstein).

Anthony Kenny, seguindo a linha de argumentacao de Elisabeth Anscombe, defende que muitas das confusoes presentes no tratamento filosófico da nocao de sujeito (the self) "é um exemplo de contra-senso dos filósofos produzido por um entendimento incorreto do pronome reflexivo" (Anthony Kenny, "The First Person", In: The Legacy of Wittgenstein, Basil Blackwell, Oxford, 1984, p. 81). Dado esse diagnostico, e natural esperar que um entendimento correto do pronome reflexivo possa elucidar o tratamento da nocao de sujeito, e eh justamente isso que, segundo esses interpretes, deve-se buscar na obra madura de Wittgenstein. Peter Hacker chega mesmo a afirmar em Insight and Illusion (1989) que Wittgenstein fornece uma "refutacao elegante e compreensiva do solipsismo e do idealismo" em sua "fase madura" (cf. p. 216). O locus classicus para essa "refutacao" seriam os paragrafos 398--410 das IF.

Parece-me, contudo, que Wittgenstein nao precisa negar a tese da referencialidade
--- o que seria extremamente contra-intuitivo --- para fornecer uma
alternativa em relacao ao tratamento tradicional do sujeito. O que eh
(talvez) inovador em sua filosofia eh a indicacao de que enunciados
`auto-atributivos' acerca de estados, eventos e /ou atitudes mentais,
feitos em primeira pessoa do singular, no presente do indicativo,
possuem um carater expressivo antes que descritivo. Mas para
explicar esse carater nao eh necessario negar a concepcao referencial. Discordo tambem que Wittgenstein forneca uma "refutacao" do solipsismo nos paragrafos 398--410. Mas a justificacao dessas opinioes sera tema para uma outra ocasiao.

Um comentário:

Anônimo disse...

Eis um tema que me interessa. Como kapliano, creio que 'eu' refere àquele que está falando ou pensando alguma frase com 'eu'. Mas não me comprometo com nenhuma ontologia sobre o que é algo que diz 'eu'. (Só pra esclarecer, não sou tão ecumênico a ponto de aceitar gravadores como sujeitos.) O que seria uma teoria expressivista do sujeito?