A
ANPOF estará realizando o
XIII Encontro Nacional de Filosofia, de 6 a 10 de outubro de 2008, na cidade de Canela, na serra gaúcha. Abaixo segue o resumo do texto que apresentarei no evento:
Grupo de trabalho Ceticismo
Jonadas Techio
Antiindividualismo e Autoconhecimento: Uma ‘solução cética’ para um ‘problema cético’?
Há muitas variedades de antiindividualismo, mas em cada uma delas encontra-se alguma versão da tese segundo a qual nossos conteúdos mentais são constituídos, pelo menos parcialmente, por ‘fatores externos’—tais como objetos físicos (que existem ‘fora da cabeça’) ou relações sociais com outros seres humanos. Essa tese parece livrar o antiindividualismo de alguns dos principais problemas que afligem a ‘tradição individualista’, tais como o ‘problema do mundo exterior’ e o ‘problema das outras mentes’. Por outro lado, ela gera uma nova dificuldade, que é dar conta do autoconhecimento psicológico: dado que meus conteúdos mentais são parcialmente constituídos por fatores externos, e dado que tais fatores podem ser-me inacessíveis no momento em que enuncio um pensamento particular empregando o conceito ‘X’, como posso saber que esse pensamento é sobre X e não sobre outra coisa, e.g., Y? Essa dificuldade gerou um intenso debate na literatura recente. O objetivo desta comunicação será descrever e avaliar o modelo do funcionamento da linguagem humana assumido no ponto de partida desse debate. A inspiração para essa avaliação é a crítica apresentada por Stanley Cavell em sua leitura da ‘solução cética’ para o ‘problema cético’ da normatividade lingüística, notoriamente atribuída a Wittgenstein por Saul Kripke. A tese central que será defendida é que os antiindividualistas, assim como Kripke, partem de uma concepção distorcida de nossas práticas comunicativas, que desloca a responsabilidade da correção lingüística (do que queremos dizer com o que dizemos) para algum ‘fator externo’, tal como ‘o mundo’, ou ‘a comunidade’. Ao assumir esse modelo impessoal da normatividade, os antiindividualistas apresentam o problema da correção lingüística pelo avesso, como se o único ou principal risco envolvido nas trocas comunicativas fosse o repúdio, por parte da comunidade, daquilo que queremos dizer com nossas palavras, e nunca o contrário—i.e., o custo envolvido no afastamento da comunidade com a qual estamos desde o início harmonizados, e da qual herdamos nossa linguagem. Essa inversão pode explicar porque a ‘solução compatibilista’ é vista por alguns críticos como ainda mais cética do que o problema que a originou. Ela também leva à suspeita mais geral de que o antiindividualismo talvez constitua uma (nova?) forma de evasão filosófica (evasão, i.e., da responsabilidade pelo que dizemos). Conhecer o conteúdo de nossos estados mentais, e saber sobre o que estamos falando, são, de fato ‘atividades de risco’—mas o risco aqui não reside tanto na possibilidade (tão cara ao cético) de que ‘o mundo’, ‘as regras da comunidade’, ou o que quer que seja, mudem inadvertidamente (‘pelas nossas costas’), e sim na possibilidade de nos distanciarmos, pelas mais variadas razões, do mundo e dos demais falantes. O risco, portanto, não está tanto ‘lá fora’, mas antes ‘aqui dentro’, no modo como cada um de nós enfrenta a responsabilidade de se posicionar frente ao mundo e aos demais, não apenas na condição de indivíduo, mas antes de herdeiro e representante de uma comunidade lingüística, e de uma forma de vida.