quinta-feira, outubro 11, 2007

Julliet Floyd, Solipsismo no Tractatus

Algumas notas a respeito do ótimo artigo de Julliet Floyd sobre o solipsismo no Tractatus.

A leitura resoluta do solipsismo no TLP:

O TLP não oferece uma teoria (figurativa) da significação, mas visa antes a minar a idéia de uma forma lógica, cuja articulação mais acabada se encontra na obra de Frege e Russell. O TLP é um texto essencialmente dialético (assim como toda obra posterior), e os "limites" que são apresentados a todo momento são degraus de uma escada que deve ser jogada fora. (p. 81-82).
O solipsismo é um dos mais persistentes refúgios do a priori, uma tentativa limitadora de impor um limite sobre o pensamento e a vida. (p. 82)
W. dialeticamente corta pela raiz a noção metafísica de um sujeito pensante no TLP (5.6 ss.) (p. 98-99)

Um dos objetivos do TLP é abandonar a concepção fregeana do modo como a lógica reflete o pensamento; Frege sustenta que os conceitos usados num juízo são precisos, que a lógica dita o caráter definido do sentido para cada pensamento e cada proposição. O pensamento assim compreendido (como algo definido, preciso, determinado, etc. -- por oposição às idéias) é considerado por Frege como condição da comunicação. (p. 99)

Nos NB W. lutou contra essa concepção do caráter definido do sentido, e o solipsismo por vezes parece se mostrar como a única alternativa: se a "análise lógica" não permite encontrar os elementos "simples" -- logicamente indefiníveis -- do pensamento, então a consciência privada é tudo que resta para tornar os pensamentos definidos (p. 99-100).

[cf. NB. p. 69-70; 21-22.6.15]

O que essa passagem dos NB mostra é que, para o olhar não cativo, o sentido de uma proposição como "o relógio está sobre a mesa" está ok, é bem determinado (numa situação concreta de uso) mesmo sem que haja condições gerais fixas e a priori. Apelar ao meu significado (privado) é apenas mais uma tentativa de apresentar condições gerais de sentido. O preço disso seria o solipsismo -- e a posição de Frege é o outro lado da moeda, na medida em que nos obriga a escolher entre pensamentos completamente determinados ou representações completamente privadas. (p. 100-101)

Ética e Suicídio:

Ética para W. (não apenas no TLP) sempre tem a ver com o pessoal por oposição ao público ou teórico (p. 102; cf. n. 23). Tomando-se o caso extremo do suicídio, vemos que W. sempre teve um horror ético a esse respeito (cf. NB p. 91). O suicídio é uma tentativa extrema de limitar o valor e a vida, de torná-los condicionais em relação a um ou outro pensamento ou evento. Cometer suicídio é tratar a vida e o mundo como objetos que podemos aceitar ou rejeitar de acordo com nossa vontade. Ele expressa uma recusa em se deixar absorver ou tornar-se ligado à vida. Mas é dessa conexão que depende toda possibilidade de valor, da ética e do sentido da vida e do mundo. (p. 102)

Um solipsismo diferente no TLP:
Pode-se falar de um outro tipo de "solipsismo", mas que é pessoal, e não metafísico ou transcendental: dar sentido à minha vida é dar sentido ao meu mundo, e isso implica sentir-me ligado ao meu mundo -- e não vê-lo como um tipo de objeto (um entre muitos). [Lembra os NB]

Essa poderia ser a "profunda necessidade" que, para W, seria erroneamente gratificada no idealismo/solipsismo: um desejo por absorção total no mundo e na vida, um sentimento de que não há lacuna entre a linguagem que eu entendo, o mundo que eu contemplo, e a vida que eu vivo. (p. 103) (cf. TLP 5.621 & 5.63)

Assim como o Tractatus nos mostra pensamento e compreensão sem pensamentos (fregeanos) determinados, fixados pela gramática ou lógica, ele também nos mostra uma vida sem nenhuma medida fixa do valor da vida. A noção tradicional de verdade eterna é supérflua (otiose) para a filosofia da lógica. Igualmente, a noção de imortalidade é supérflua para conferir significado à vida. A vida, assim como o campo visual, não tem limite. (TLP 6.4311-12) (p. 103-104)

O solipsismo é uma versão metafísica da solidão -- ou, talvez melhor dizendo, uma tentativa metafísica de sobrepujar a possibilidade da solidão. Se o solipsismo fosse verdadeiro, minha experiência onipresente e meu mundo onipresente seriam um. Eu me encontraria refletido em todas as coisas. (p. 104)

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Referência:
"The Uncaptive Eye: Solipsism in Wittgenstein's Tractatus". In: Loneliness, Notre Dame: Boston University Studies in the Philosophy of Religion, 1998

Um comentário:

Saucedo disse...

Caro Jônadas,

Seria possível conseguir uma cópia desse artigo? Alíás, vc teria mais algumas referências sobre solipsismo no Tractatus?

Um abraço,

Rogério Saucedo