sábado, outubro 27, 2007

Mulhall e a natureza das discussões éticas

Estou lendo um novo artigo de Stephen Mulhall, no qual ele se defende de críticas apresentadas ao livro On Film (que eu recomendo!), e lá pelas tantas encontrei uma passagem muito interessante sobre a natureza das discussões morais. Transcrevo-a:

There is a strong philosophical tendency to think of moral disagreement on the model of opposing opinions about a particular course of action, with each opinion supported by more general ethical principles. But [...] moral disagreement can also be a matter of differing visions of what matters in human life, different conceptions of human flourishing in the world, and so on; and discussion here may well take the form of encouraging one's interlocutor not so much to change her mind about a particular course of action but to look at everything differently—and so to find moral significance where it did not previously seem to exist, as well as to find that what previously seemed highly morally significant was in fact trivial or even essentially illusory. (p. 290)

Gosto da idéia de que às vezes o que é necessário numa discussão ética não é apresentar princípios abstratos e discutir quais são melhores, mas antes tentar fazer com que o interlocutor veja as coisas de outro modo. Penso que boas obras de arte (especialmente cinema e literatura) servem justamente para permitir essa mudança de olhar.

Segue o link para uma lista de novos textos dos Proceedings of Aristotelian Society onde se encontra o artigo de Mulhall (e muito mais artigos interessantes):

http://www.blackwell-synergy.com/toc/pash/107/1pt3
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Referência:
Mulhall, Stephen. "Film as Philosophy: The Very Idea" In: Proceedings of the Aristotelian Society, Vol. CVII, Part 3, 2007

quinta-feira, outubro 25, 2007

Wittgenstein e a tentação do solipsismo: meu artigo na Barbaroi

Saiu na Barbaroi (Revista da Unisc), meu artigo sobre Wittgenstein e a tentação do solipsismo. Seguem o resumo e o abstract:

RESUMO: Uma preocupação recorrente nos escritos de Wittgenstein é diagnosticar as origens da tentação filosófica do solipsismo. O presente ensaio é uma tentativa de refazer alguns dos principais passos em direção a esse diagnóstico. O ensaio também pretende apresentar os principais passos em direção a uma “cura” para essa tentação. Ele o faz ilustrando o método filosófico receitado por Wittgenstein para tratar de várias outras “doenças do intelecto” que afligem os filósofos.


ABSTRACT:
A recurrent concern in Wittgenstein’s writings is to diagnose the origins of the philosophical temptation of solipsism. The present essay attempts to follow some of the main steps towards such a diagnosis. The essay also attempts to lay out the main steps toward a “cure” for that temptation. It does so by illustrating the philosophical method prescribed by Wittgenstein as remedy for many other “diseases of the intellect” which afflict the philosophers.

[Atualizado em 15/03/2008]



quinta-feira, outubro 11, 2007

Julliet Floyd, Solipsismo no Tractatus

Algumas notas a respeito do ótimo artigo de Julliet Floyd sobre o solipsismo no Tractatus.

A leitura resoluta do solipsismo no TLP:

O TLP não oferece uma teoria (figurativa) da significação, mas visa antes a minar a idéia de uma forma lógica, cuja articulação mais acabada se encontra na obra de Frege e Russell. O TLP é um texto essencialmente dialético (assim como toda obra posterior), e os "limites" que são apresentados a todo momento são degraus de uma escada que deve ser jogada fora. (p. 81-82).
O solipsismo é um dos mais persistentes refúgios do a priori, uma tentativa limitadora de impor um limite sobre o pensamento e a vida. (p. 82)
W. dialeticamente corta pela raiz a noção metafísica de um sujeito pensante no TLP (5.6 ss.) (p. 98-99)

Um dos objetivos do TLP é abandonar a concepção fregeana do modo como a lógica reflete o pensamento; Frege sustenta que os conceitos usados num juízo são precisos, que a lógica dita o caráter definido do sentido para cada pensamento e cada proposição. O pensamento assim compreendido (como algo definido, preciso, determinado, etc. -- por oposição às idéias) é considerado por Frege como condição da comunicação. (p. 99)

Nos NB W. lutou contra essa concepção do caráter definido do sentido, e o solipsismo por vezes parece se mostrar como a única alternativa: se a "análise lógica" não permite encontrar os elementos "simples" -- logicamente indefiníveis -- do pensamento, então a consciência privada é tudo que resta para tornar os pensamentos definidos (p. 99-100).

[cf. NB. p. 69-70; 21-22.6.15]

O que essa passagem dos NB mostra é que, para o olhar não cativo, o sentido de uma proposição como "o relógio está sobre a mesa" está ok, é bem determinado (numa situação concreta de uso) mesmo sem que haja condições gerais fixas e a priori. Apelar ao meu significado (privado) é apenas mais uma tentativa de apresentar condições gerais de sentido. O preço disso seria o solipsismo -- e a posição de Frege é o outro lado da moeda, na medida em que nos obriga a escolher entre pensamentos completamente determinados ou representações completamente privadas. (p. 100-101)

Ética e Suicídio:

Ética para W. (não apenas no TLP) sempre tem a ver com o pessoal por oposição ao público ou teórico (p. 102; cf. n. 23). Tomando-se o caso extremo do suicídio, vemos que W. sempre teve um horror ético a esse respeito (cf. NB p. 91). O suicídio é uma tentativa extrema de limitar o valor e a vida, de torná-los condicionais em relação a um ou outro pensamento ou evento. Cometer suicídio é tratar a vida e o mundo como objetos que podemos aceitar ou rejeitar de acordo com nossa vontade. Ele expressa uma recusa em se deixar absorver ou tornar-se ligado à vida. Mas é dessa conexão que depende toda possibilidade de valor, da ética e do sentido da vida e do mundo. (p. 102)

Um solipsismo diferente no TLP:
Pode-se falar de um outro tipo de "solipsismo", mas que é pessoal, e não metafísico ou transcendental: dar sentido à minha vida é dar sentido ao meu mundo, e isso implica sentir-me ligado ao meu mundo -- e não vê-lo como um tipo de objeto (um entre muitos). [Lembra os NB]

Essa poderia ser a "profunda necessidade" que, para W, seria erroneamente gratificada no idealismo/solipsismo: um desejo por absorção total no mundo e na vida, um sentimento de que não há lacuna entre a linguagem que eu entendo, o mundo que eu contemplo, e a vida que eu vivo. (p. 103) (cf. TLP 5.621 & 5.63)

Assim como o Tractatus nos mostra pensamento e compreensão sem pensamentos (fregeanos) determinados, fixados pela gramática ou lógica, ele também nos mostra uma vida sem nenhuma medida fixa do valor da vida. A noção tradicional de verdade eterna é supérflua (otiose) para a filosofia da lógica. Igualmente, a noção de imortalidade é supérflua para conferir significado à vida. A vida, assim como o campo visual, não tem limite. (TLP 6.4311-12) (p. 103-104)

O solipsismo é uma versão metafísica da solidão -- ou, talvez melhor dizendo, uma tentativa metafísica de sobrepujar a possibilidade da solidão. Se o solipsismo fosse verdadeiro, minha experiência onipresente e meu mundo onipresente seriam um. Eu me encontraria refletido em todas as coisas. (p. 104)

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Referência:
"The Uncaptive Eye: Solipsism in Wittgenstein's Tractatus". In: Loneliness, Notre Dame: Boston University Studies in the Philosophy of Religion, 1998

Colóquio de Filosofia Analítica na UFRGS