1. I suppose I don't stray too far away from the core of McManus' criticism of some (unfortunately widespread) readings of Wittgenstein if I describe its main thrust thus: if we want to reclaim a social-critical use for Wittgenstein's thought, one thing todo is perhaps to try and get used to take (the very idea of) "the autonomy of grammar" with a grain of salt. In other words, we should not grant (not, anyway, without some serious qualification) that, as Peter Winch (quoted by McManus) puts it, `reality is not what gives language sense'.
2. To be sure, concepts are, as Wittgenstein tirelessly reminds us, the expression of our interests, concerns and desires. But then -- and this goes against the grain of many a philosophical picture of concept-formation, from Kant through Carnap and Goodman down, dare I say, to Baker-and-Hacker's Wittgenstein -- we don't choose the objects of our desires: concepts are not just an expression of what Kant called the `spontaneity of the understanding'.
Uma primeira ressalva que me parece importante fazer é que esse modo de apresentar a posição de Kant acerca da formação de conceitos é injusta: primeiro, porque ele não defende que todos os nossos conceitos são formados meramente pela espontaneidade do entendimento. Prima facie (mas apenas prima facie , cf. o que digo abaixo) esse seria o caso das categorias, ou "conceitos puros do entendimento", que estão na base da organização de toda nossa experiência -- mas certamente esse não é o caso de nossos conceitos empíricos, especialmente os conceitos técnicos da ciência, como o conceito de "ouro" que Kant usa como exemplo. Tais conceitos também dependem, pace Kant, de nossos interesses, preocupações e desejos. O problema é que o quadro kantiano (como sempre) não é tão simples: para Kant até mesmo nossos interesses, preocupações e desejos, no caso da busca pelo conhecimento teórico, são em última instância movidos por certos ideais regulativos, as idéias transcendentais, e estão, além disso, necessariamente limitados às condições da experiência possível, e, por conseguinte, às categorias (e também às formas da intuição), se devem ter algum sentido.E não é só isso: eu defendo que, para Kant, nossos conceitos, mesmo as categorias, dependem para sua aplicação e para seu sentido de certos fatos contingentes acerca do mundo. Tomemos um exemplo, o da categoria da substância. Se eu ficar com a mera categoria "pura", tenho apenas uma forma lógica sem conteúdo algum, que me diz para pensar em algo necessariamente como sujeito, e não como predicado. Mas e dai? Ainda não sei o que devo selecionar no mundo para tratar como sujeito, e justamente por isso a metafísica tradicional incorre em erros ao aplicar essa forma vazia além de nossa experiência possível. Bem, passamos então à categoria "esquematizada". Que temos agora? No caso em pauta, da categoria de substância, sei que devo tomar aquilo que é permanente na mudança como substância, e o que muda como acidente. Mas ainda continuo sem saber o que no mundo vai ser permanente! Como não sou onisciente preciso, para determinar isso, sair da minha poltrona e ir ao mundo, experimentá-lo. Apenas assim saberei, por exemplo, que a "substância" última das coisas (dos fenômenos, claro) são seus componentes atômicos, ou a "energia" da física contemporânea, ou o que quer que seja -- conforme nossas teorias científicas avançam, em seu progresso assintótico rumo aos ideais de unidade e coerência cada vez maior.
Menciono de passagem mais um exemplo, esse talvez mais polêmico: o caso da categoria de realidade. Em minha dissertação defendo que, para Kant, é uma condição de possibilidade de uma linguagem (objetiva) para falar acerca de sensações discretas de grandezas intensivas (calor, frio, intensidade de luz, etc.) que possamos gerar algum tipo de padrão de medida público, de modo a atribuir a tais sensações um valor numa escala de grandeza extensiva, e, por conseguinte, possibilitando que as matematizemos. Mas o que importa salientar aqui é que, além de estar supondo essa nossa habilidade de trabalhar com padrões públicos para dar objetividade à categoria de realidade, Kant também precisa supor, no argumento das Antecipações da Percepção, que nossa sensibilidade funciona de maneira homogênea. E este é mais um fato contingente acerca do mundo, que é contemplado na explicação do emprego das categorias.
Passando, até que em fim, a Wittgenstein e McManus. No post em que tratei do texto desse último autor afirmei que "para [Wittgenstein] e também para McManus, que parece aceitar essa concepção, não há como comparar nossas práticas com uma realidade independente e "externa" às mesmas." Eu ainda estou inclinado a defender isso, pelo menos para o caso de W., não obstante crer que, para W., assim como para Kant, e, se o Paulo estiver certo, tb para McManus, o mundo tenha um papel importante na formação de nossos conceitos. Não acho que sejamos "a medida de todas as coisas" ou "world-makers" a la Nelson Goodman. Que W. sustenta isso -- esse "realismo", para usar um termo saco-de-gatos muito problemático e vazio -- fica claro especialmente na análise que ele fornece dos casos de jogos de linguagem mais básicos, nos quais nossas reações naturais -- tais como o comportamento instintivo de dor -- é que dão origem a uma forma mais complexa ou sofisticada de "comportamento lingüístico". Isso também fica claro, a meu ver, na defesa que W. faz em Sobre a Certeza de que há certos fatos (contingentes) acerca do mundo que formam o pano de fundo compartilhado sobre o qual desenvolvemos nossa linguagem.
Em suma: nem tanto ao céu, nem tando à terra! Não é apenas a tese da autonomia da gramática que, a meu ver, deve ser tratada com um grão de sal -- mas também a tese oposta, de que a realidade "está aí" e nossos conceitos -- bem como a linguagem que empregamos para expressá-los -- apenas reflete essa realidade.
Ademais, era justamente disso que eu reclamava, num post anterior, ao mencionar a leitura que Hacker faz de Wittgenstein:
[...] Assim como Hacker, penso que o tipo de relação envolvido em casos de definições ostensivas [...] não é causal [...]. Mas cabe salientar também, como faz Hacker, que a indicação de tais relações internas não equivale ao fornecimento de uma 'prova' do almejado contato entre 'linguagem' e 'realidade' — como se essas fossem esferas isoladas que precisassem ser conectadas (por definições ostensivas, ou de qualquer outra espécie). Dada a radicalidade de um movimento filosófico como o de Wittgenstein, obtém-se como conseqüência a tese de que a linguagem simplesmente não precisa ser "ancorada à realidade" pois, num certo sentido, ela é "auto-contida e autônoma" (ibid., p. 548). É claro que, num outro sentido (esse a meu ver não suficientemente destacado por Hacker), a própria linguagem fundamenta-se sim no 'mundo', na medida em que nosso pertencimento a esse mundo fornece o próprio pano de fundo compartilhado frente ao qual nossas práticas lingüísticas serão desenvolvidas — apenas para dar um exemplo, é porque todos nós compartilhamos de um mesmo tipo de aparato perceptual, que regularmente funciona de maneira homogênea em todos nós, que podemos concordar (ou discordar) acerca da aplicação de termos como 'vermelho'. Essa, portanto, é uma contribuição do 'mundo' que é assimilada em nossa linguagem. [...]
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